Cor (azul)

Quando os olhos recebem luz de diferente intensidade conforme o comprimento de onda do espetro visível, o cérebro interpreta geralmente os sinais de luz como cores. Entre as várias causas da cor, podemos ter a dispersão da luz: as moléculas no ar dispersam mais fortemente a luz azul e por este facto esta parece vir de todas as direcções. Assim, o céu parece azul. 
Um fenómeno onde a cor azul era bem “real” acontecia após a Censura usar o seu famoso lápis.
Autores como Cunha Leal (“ A obra intangível do Dr. Oliveira Salazar”, “Ilusões Macabras”), Jorge Amado (“Jubiabá”, “Capitães da Areia”), Miguel Torga (“Bichos”), Aquilino Ribeiro (“Quando os Lobos Uivam”), José Vilhena (“A Olho Nú”, “Manual de Etiqueta”), Natália Correia (“Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica”), Orlando da Costa (“Podem chamar-me Eurídice”), Raul Rego (“Para um Diálogo com o Sr. Cardeal Patriarca”), Mário Soares (“Escritos Políticos”), Manuel Alegre (“A Praça da Canção”), Vergílio Ferreira (“Manhã Submersa”) e José Cardoso Pires (“Dinossauro Excelentíssimo” e “Histórias de Amor”) são exemplos que todos nós conhecemos e já tivemos a oportunidade de ler alguns livros deles (aliás, alguns até incluídos no nosso programa escolar).
Parece completamente surreal imaginar que existiu uma época em que estes livros se configuravam incomodativos para a política de Portugal e, portanto, tiveram problemas com a censura e a política política durante o Estado Novo. 
Estima-se que entre 1933 e 1974 foram censurados cerca de 900 livros que eram considerados um atentado à moral e aos bons costumes. Claro que nesta lista também se incluiu o facto de os comunistas serem um problema no Estado Novo (e desde logo, eram censurados Karl Marx e Friedrich Engel) e, igualmente, se abrange a necessidade de não trazer para Portugal ideologias existencialistas (e neste sentido, eram censurados Friedrich Nietzsche, Jean-Paul Sartre e Fiódor Dostoiévski, por exemplo).
A Censura Prévia era praticada desde 1926 e teve instituição legal na Constituição de 1933. Os jornais passaram assim a estar marcados por "Este número foi visado pela Comissão da Censura.” Numa aula de Ética e Deontologia, tive a oportunidade de ouvir o relato de que como, muitas vezes, o processo levado a cabo pela Comissão de Censura demorava algum tempo e já não havia tempo na redação para substituir a notícia que para o espaço tinha sido designada, começou-se a ocupar esses espaços à última da hora com imagens de gatos. Passado uns tempos até essas imagens passaram a ser proibidas (davam demasiada “cana”), tendo os jornalistas de arranjar soluções à última da hora.
Antes do 25 de Abril, parece ter havido uma esperança de tudo isto terminar com Marcello Caetano, que prometeu mudar este instrumento mas, na verdade, a única coisa que fez foi praticamente só mudar-lhe o nome para “exame prévio”
“As mãos sujas” parece a descrição perfeita das mãos da PIDE: sujas de torturas que passavam por privação de sono, impedimento de ir à casa de banho, agressões físicas, despedir as pessoas peça a peça até ficarem nuas enquanto vários agentes assistiam (neste sentido, a revista Sábado publicou um artigo sobre como Conceição Matos foi espancada e humilhada pela agente da PIDE Madalena Oliveira, tendo ouvido coisas como "Ver nua, esta merda? Ela não vale nada. Para os comunistas qualquer merda serve. Basta ter um buraco e fazer os movimentos”), faltas de cuidados médicos que conduziram a um mortes que seriam facilmente curáveis (aliás, o médico de Tarrafal orgulhava-se as certidões de óbito que passava), e, infelizmente, entre outras; e das mãos também sujas da Comissão da Censura pelo seu lápis azul (embora também usasse outras cores).
É, na verdade, um livro de Jean-Paul Sartre que retrata um cenário de oposição política (e, como tal, tinha de ser censurado) entre “de um lado, o governo fascistas do Regente, que alinhou a sua política pela do Eixo; do outro, o nosso Partido, que combate pela democracia, pela liberdade, por uma sociedade sem classes.” Neste peça, a personagem Hugo faz questão de frisar o seu livre arbítrio por diversas vezes, como exemplo:
“Hugo: Respeito as instruções que me dão, mas também me respeito a mim próprio, e não obedeço a ordens parvas, cujo único efeito é meter a ridículo quem as cumpre. 
Slick: Ouve-me esta! Olha lá, ó Jorge, tu respeitas-te a ti próprio?
Jorge: Eu não. Pelo menos nunca dei por isso. E tu, Slick?
Slick: Estás doido? Quem não for, pelo menos, secretário, em lá o direito de se respeitar a si próprio!
Hugo: Grandes idiotas! Se entrei para o Partido, foi para todos os homens, secretários ou não, terem um dia esse direito.”
Aliás, este livro ilustra bem a filosofia de Sartre baseada no facto de que cada indivíduo faz o seu próprio destino, constrói o seu valor e escolhe a sua própria liberdade.

Sim, liberdade… Aquela que não havia (não assim há tanto tempo atrás) para ler este livro.

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